“Quer pagar quanto?”.
Você se recorda desse bordão da campanha de marketing que as Casas Bahia realizaram em 2006?
A campanha ficou no ar, nas TVs brasileiras, por apenas uma semana e isso foi o suficiente para imortalizar a famigerada frase que se tornou um dos maiores fiascos da publicidade brasileira.
Ao perguntar para o cliente quanto ele quer pagar, transferimos para ele o poder de barganha.
E como o povo brasileiro não perde uma oportunidade desconto, inúmeros consumidores foram até as lojas oferecerem uma moeda de 1 real, ou até mesmo centavos, para comprar eletrodomésticos.
Atitudes como essas, renderam às Casas Bahia diversas ações judiciais nas quais consumidores alegavam propaganda enganosa, pois ao ofertar o valor para os vendedores, a proposta era recusada.
Dessa história, levamos um aprendizado: Jamais pergunte ao seu cliente quanto ele quer pagar pelos seus produtos ou serviços!
Então, voltamos ao título desse artigo:
Como escolher o preço do seu produto ou serviço?
O preço é diferente do valor
Antes de definir o preço, precisamos compreender o que significa, de fato, essa palavra. E, além do preço, precisamos entender o que significa a palavra valor.
Afinal, ambas fazem parte do dialeto do mercado e são, comumente, confundidas.
Entretanto, preço e valor são conceito completamente diferentes.
A primeira, e maior, diferença entre elas deve-se ao fato de o preço ser uma grandeza quantitativa, expressa por unidades monetárias.
Assim, quando falamos que o preço de um produto é R$ 100,00; estamos atribuindo um número que pode ser comparado com outros preços de produtos semelhantes.
Dessa maneira, conseguimos afirmar que um produto tem um preço mais alto que outro produto equivalente.
Quando pedimos a vários fornecedores que nos enviem os seus orçamentos, estamos esperando ver preços diferentes para que possamos escolher o preço mais baixo, a fim de economizar no processo da compra.
Por outro lado, quando nos referimos ao valor de um produto, a grandeza é qualitativa e por esse motivo, não pode ser expressa em números, mas sim em adjetivos, como: caro, inovador, fácil, durável, etc.
E justamente por causa do significado do valor, algumas vezes decidimos pelo orçamento com preço mais alto. As motivações para que tomemos a decisão de pagar o preço mais alto vêm da nossa percepção de valor.
Você pode, por exemplo, escolher o fornecedor por entender que recebeu o melhor atendimento. Ou, também, poderia ter sido porque prometeu um prazo de entrega menor.
E com essa explicação que acabei de apresentar para você, é possível perceber que a melhor maneira de aumentar seu preço é gerar mais percepção de valor para o cliente.
Calculando o preço de bens tangíveis
O método mais comum para descobrirmos o preço final de venda de um produto ou serviço é dividir o preço final em três partes:
1ª parte – Custo de produção;
2ª parte – Custo de venda e comercialização;
3ª parte – Margem de lucro da venda.
Assim, podemos imaginar o preço final a partir dessa simples conta matemática:
PREÇO DE VENDA = CUSTO DE PRODUÇÃO + CUSTO DE VENDA + MARGEM DE LUCRO.
Olhando para essa fórmula, temos a impressão de que é fácil definir o preço, afinal basta somar essas três partes!
Desculpe te decepcionar, mas, na prática, costuma ser bem mais difícil.
A dificuldade adicional surge devido à complexidade em definir cada uma das três partes que compõem o preço de venda.
Detalhando a precificação
A fim de clarear um pouco mais a sua percepção, veja a seguir alguns fatores que influenciam no cálculo de cada parte.
Como exemplo prático, vou imaginar como precificar uma refeição do tipo PF (prato feito) em um restaurante de um bairro comercial.
1ª parte – Custo de produção
- Custo dos ingredientes básicos para produção do prato (arroz, feijão, alface, tomate, ovo, bife, farofa, sal, cebola, alho e óleo);
- Custo da transformação dos ingredientes em uma refeição (gás, energia elétrica, água, equipe da cozinha, utensílios de cozinha, manutenção e limpeza da cozinha);
- Custo de aluguel da fração imobiliária da cozinha (chão de fábrica).
2ª parte – Custo de venda e comercialização
- Custo operacional do salão do restaurante (Mesas e cadeiras, decoração das mesas e ambiente, temperos para uso do cliente, custo da equipe do salão – garçons, atendentes de caixa, cumins, prataria, manutenção e limpeza do salão);
- Custo de impostos e tributação (IPTU, ISS, ICMS, …);
- Custo de marketing (ações promocionais, divulgação em redes sociais e mídias offline – fachada da loja, estacionamento para clientes);
3ª parte – Margem de lucro da venda
- Preço adicional, acima do custo total de produção, venda e comercialização; repassado ao consumidor final.
E agora, ainda acha que é fácil calcular o preço de venda de um produto?
Note que esse exemplo se refere, exclusivamente, a um PF básico, com poucos ingredientes e sem muitos diferenciais competitivos.
Eu preferi não atribuir valores numéricos a esse exemplo para não tornar mais complicado o que já está difícil de estimar.
Entretanto, vou considerar que depois de todas essas contas feitas, um PF seja vendido pelo preço final de R$ 30,00 – que me parece um preço justo na maioria das capitais brasileiras, no momento em que escrevi esse artigo.
Mas, desses R$ 30,00, qual o valor que você acredita de vai, de fato, para o bolso dos proprietários do restaurante. Em outras palavras, qual o lucro líquido de cada venda realizada?
Se considerarmos um restaurante extremamente profissional, com bons processos internos, boa estrutura de produção e com um produto final de qualidade aceitável, acredito que dificilmente os donos desse estabelecimento conseguiriam lucrar mais de R$ 10,00 por prato.
Então, para manter o negócio como um todo lucrativo, estimo que esse restaurante precisa vender de 200 até 300 refeições por dia. Caso contrário, esses R$ 10,00 serão absorvidos pelo custo operacional e, ao invés de lucro, terão um enorme prejuízo operacional.
Como lucrar mais?
Ainda, usando o exemplo do restaurante, de conselhos daria aos donos desse estabelecimento se eles quisessem ter um lucro líquido maior? Será que existe o conselho ideal?
Bem, se me perguntassem isso, eu diria que a melhor maneira de aumentar o lucro é otimizar as três partes que compõem o preço final.
Reduza seus custos
Lembre-se que:
PREÇO DE VENDA = CUSTO DE PRODUÇÃO + CUSTO DE VENDA + MARGEM DE LUCRO.
Assim, para manter o mesmo preço do PF, bastaria, simultaneamente, reduzir o custo de produção, reduzir o custo de venda e aumentar a margem de lucro.
Essa conta é bem óbvia, não acha?
Mas, certamente, existem limites para a redução de custos e para o aumento do lucro.
Quando esses limites são atingidos, passa a ser impossível lucrar mais, a não ser que aja um aumento de escala.
E quando isso acontece, estamos nos referindo a ampliação física do restaurante ou abertura de novas unidades.
Entretanto, essas duas ações são caras e demoradas.
Ou aumente o seu valor
Outra sugestão que eu daria para os donos do restaurante é aumentar a percepção de valor para os clientes.
Pois, constantemente, nossos cérebros de consumidores não param de avaliar o famoso custo-benefício de cada compra realizada.
Quando estamos no papel de consumidor, o custo é entendido por nós como o preço e o benefício é o que percebemos de valor.
Então, quando pagamos por algo que sentimos que poderia ser mais caro, temos aquele momento de sentir que a compra teve o ótimo custo-benefício.
O que é um produto premium?
No jargão do comércio, produtos ou serviços premium são aqueles que oferecem um benefício tão grande que podem ter preços bem mais altos que a média do mercado.
Um apartamento premium não é apenas um imóvel grande com acabamento de luxo.
Para ser premium, deve estar localizado em uma região nobre da cidade, deve ter uma vista melhor que os demais, deve ser mais seguro e deve aumentar a autoestima dos proprietários elevando seu status social perante as outras pessoas.
Logo, se você oferta um apartamento duplex, com vista para o mar, no bairro mais nobre da cidade, você poderá cobrar um preço bem maior que será convertido em lucro líquido ao final.
Posso precificar o que eu quiser?
Imagino que nesse momento de leitura deste artigo você já tem uma boa ideia em como definir o preço de um produto ou serviço.
Bem, tem um pequeno problema em tudo o que eu acabei de te mostrar até agora. Eu não queria trazer más notícias, mas jamais me perdoaria se não dissesse para você que nem sempre essa maneira de precificar produtos e serviços vai funcionar.
Eu digo isso porquê há duas categorias de produtos que não obedecem a esse pensamento clássico de que o custo e o lucro representam o preço de venda.
O preço dos commodities
Você já ligou a sua TV de manhã, bem cedinho, e assistiu algum programa de agronegócios?
Nesses programas, normalmente ouvimos o apresentador dizer frases como:
“Hoje a saca de feijão carioca do tipo 1 está sendo comercializado por X reais com variação de +1,13% nessa manhã”.
“O preço da arroba do boi gordo está sendo negociada por X reais à vista.”.
Note que quem disse o preço desses produtos foi o apresentador de notícias, ao invés de ser anunciado pela fazenda que produziu o feijão ou pelo pecuarista que engordou o boi à venda.
Os commodities são, por definição, todos os produtos básicos globais que ainda não passaram pelo processo de industrialização.
Assim, o preço desses produtos impacta diretamente no preço de tudo que precisa de cada um deles em sua produção.
Por isso existe uma imensa pressão dos compradores em pagar o menor preço possível por esses bens de transformação.
Afinal, imagine o preço final que um hamburger de carne bovina teria se o preço da carne, da soja, da celulose e do petróleo subissem rapidamente!
Em um primeiro momento podemos imaginar, ingenuamente, que o preço de hamburger é definido praticamente pelo preço da carne, mas, em muitos casos, o petróleo é o maior responsável pelo preço final, pois as embalagens plásticas e toda a cadeia logística dependem do preço desse commodity.
Você sabia que quando você compra uma garrafinha de água mineral 50% do preço final é plástico e diesel; 45% é marketing e comercial; e apenas 5% é água que você bebe?
Sim! Você paga pela garrafa descartável e ganha água de brinde.
O preço da inovação
Eu disse alguns parágrafos acima que o método clássico de precificação não se aplica a duas categorias de produtos.
Um deles é o commodity. (check!)
E a segunda categoria se refere aos produtos e serviços inovadores.
Os principais motivos pelo quais é praticamente impossível precificar produtos ou serviços inovadores são:
- Eles nunca foram vendidos antes em alta escala, assim não há como afirmar qual a composição de preço para o mercado em massa;
- Ainda não sabemos qual a percepção de custo-benefício do consumidor. Portanto, não sabemos que ele está disposto a pagar pelo preço que você estimar.
Por isso, precificar algo inovador é quase que uma experiência psicodélica que os empreendedores precisam passar para verem a “verdade” por trás dos números.
Quanto valeria, para você, a primeira dose da vacina para covid-19, assim que foi comercializada pela primeira vez?
Você estaria disposto a pagar quanto para vacinar seus filhos ou seus pais?
É isso que sentimos quando a inovação bate à nossa porta e nos pergunta: “Quer pagar quanto?”.
Nesse momento, diferentemente, uma loja que vende as mesmas geladeiras e fogões que todos os outros concorrentes ofertam, produtos realmente inovadores estão sozinhos nas prateleiras, sem concorrentes diretos.
Por isso, a precificação dessa categoria, lembra, em alguns pontos, o conceito dos leilões, quando algo único é disputado por diversos compradores ofertam preços mais altos até que um último vence com o lance maior.
Nesse momento, os demais compradores atingiram os seus limites da percepção custo-benefício-vaidade.
Basta você lembrar das filas quilométricas em Nova Iorque no pré-lançamento do primeiro iPhone.
As pessoas chamadas de early adopters (primeiros adotantes) pagaram mais caro para ter algo que sequer sabiam como seria experimentarem.
Mas viram um valor grande o suficiente para considerar o alto preço deste smartphone justo para as expectativas que aguardavam.
Quanto dura o preço da inovação?
E para deixar nosso artigo mais um pouco reflexivo, pergunto a você: Um produto inovador será sempre vendido pelo preço da inovação?
Essa pergunta é delicada, pois sua resposta dependerá de muitos fatores e condições para que um produto continue entregando a mesma percepção de valor tão elevada quanto tinha em seu lançamento.
Mas, na grande maioria dos casos, o que já foi uma grade inovação disruptiva que foi comprada por valores inconcebíveis, um dia se tornará algo tão óbvio e banal que ganhará o título de commodity tecnológico.
Como, por exemplo, o acesso à internet que vendida atualmente pelas operadoras de telecom por preços cada vez menores e com velocidades bem maiores a cada ano.
Chegamos ao final desse artigo com algumas conclusões.
A primeira delas é que o preço e o valor, são conceitos bem distintos, mesmo que muito ainda pensem que são a mesma coisa.
Aprendemos, também, que a maneira mais clássica de determinar o preço de um produto ou serviço é somar o custo de produção com o custo de comercialização, além de incluir a margem de lucro pretendida.
Entretanto, aprendemos que essa lógica não se aplica para duas categorias especiais de produtos: os commodities e os produtos inovadores.
Comparativamente, ambos estão nos extremos da percepção de valor do comprador.
Enquanto os commodities possuem o menor preço possível de ser negociado, com margens de lucro ínfimas, os produtos ou serviços inovadores podem atingir preços tão alto quanta aqueles visto em leilões de artefatos raros.
Isso se deve pela imensa percepção de valor do consumidor que não se imagina sem esse produto, levando a sério a frase; “custe o que custar”.
E me despeço de você, caro leitor, pedindo para que você pense a respeito de produtos e serviços que você compra apenas pelo preço e quais você não costuma nem olhar o valor antes de pagar, pois sabe que é exatamente o que procura.
CEO na Meliva
Design Thinking Specialist.
Professor e especialista em inovação corporativa.
Engenheiro de computação e físico com ênfase em quântica.
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